O Pescador e o Peixe Fora D´àgua

                                            

                                                     

Na beira da praia, o pescador coloca – se como o ser adaptado ao meio, inserido na cadeia produtiva e predatória vinculada ao ambiente aquático, meio de vida predominante nessa parte da superfície do globo, altamente inóspito a sobrevivência humana, ainda não tao evoluída à ponto de permitir respirar, e alimentar – se naturalmente sob a água.
Início das atividades do dia. O pescador estende uma enorme faixa de linhas enfileiradas e trançadas em forma de rede, comprida e de largura suficiente, comprovação da paciência e das longas horas de trabalho artesanal, inerentes à espécie em questão, e prepara – se para lançar ao mar sua cultura milenar e sua ferramenta de trabalho, quando abruptamente, é interpelado por outro ser, que não habituado ao meio, por ser um espécime citadino, e querendo adaptar – se, pelo menos superficial e visualmente, já que sem a vivência da cultura, não se consegue enxergar, tampouco compreender realmente o ambiente;
  • "O Pescador! Salve meu Bom Pescador das marés, imutável em relação ao tempo e as coisas efêmeras criadas a esmo, me conta essa história dessa rede Pescador!?"
Por já ter observado de longe, com olhos acostumados a perscrutar o infindável oceano, e ler as vagas e suas mínimas nuances de tonalidade, que indicam cardumes e tempestades, e que se aproximam vorazmente para lamber o casco das embarcações, levando pra conhecer Iemanjá e as sereias, àqueles que são considerados merecedores, percebeu a aproximação do peixe fora – d´água, e com um leve meneio de cabeça, reflexo da pura humildade, de quem não destrata qualquer componente do cenário natural, respondeu;
  • "A História dessa rede é velha, é velha como eu. Mas ela não se cansa do mar, não se cansa como eu."
Acostumado a verbalizar todas os seus pensamentos e pseudo – emoções, o citadino não se conformou com a resposta, tão direta e consistente. Aculturado pela educação formal, seu inconsciente só entendia informações deturpadas, ou falseadas pelas prodigalidades das elucubrações, dos prolixos formadores de opinião e de suas culturas baseadas em ideologias e utopias, sempre reprocessadas, regurgitadas, e novamente engolidas, com muito vinho caro ou água mineral engarrafada.

  • "Ô Pescador! O Mar é capcioso, pois belo e exuberante, bem como muito perigoso. Vastidão territorial, ocupa a maior parte da Terra, e assim, como que maquiavélico, está sempre por cima, submetendo à Terra seu jugo, fazendo – a ficar por baixo, não dura, mais quase sempre arenosa, rugosa, granulada, colorida e coralina. Imóvel aos desejos fluidos e incessantes do Mar, que sempre lambe, molha, flerta, às vezes de forma calma, outras vezes em tormenta. Sempre! Sem cansar, da mesma forma que você e sua frondosa rede. Ô Meu Bom Pescador! Me conta do que é feita a rede pra pegar peixe e camarão nessa Terra molhada, sem cabelo pra agarrar, onde navega – se cegamente, sem  se ver onde pisar!?"
    O tom do perguntador, foi instintivamente percebido pelo ser proeminente do habitat, habituado pelas experiências vívidas, dominante das práticas de sustentabilidade do meio, como fraqueza de espírito e falha de juízo no outro, que por palavras e subterfúgios, sofismas de cabeças – de – bagre por assim dizer, queria compreender a realidade autóctone, e adaptar – se num mundo onde às ações,  e não as palavras, fazem sobreviver.
  • "A rede que vou lançar, é feita do suor do meu trabalho, da tradição de traçados, e de boias, para não afundar."
  • "Ô Meu Bom! E esse traçado é feito como? Me conte!"
  • "Como já lhe disse, é feito de tradição e cordas, muitas cordas de trançar."
A rede estava quase pronta pra ser lançada. Por ser grande, provavelmente demorou umas 2 horas até ser plenamente esticada e amarrada no mastro de madeira, fixado em uma ponta na parte outside, e era necessário certa maré pra afixá – la, e todo o papo desenrolado estava atrasando o desenrolar da rede, e dos trabalhos do dia do Pescador, que atua em associativismo com o Mar pra poder estender a rede, e pescar o seu sustento.
  • "Ô Pescador! Ô Meu Bom! Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, senhor da praia, cavaleiro do oceano, me conta do que são feitas essas cordas, ora me diga!"
  • "Aí não sei lhe responder não meu senhor."
    Na resposta do Pescador, que bem sabia que a rede era feita de nylon por esses dias atuais, houve uma mudança no tom, o que conferiu um aspecto jocoso à resposta
  • "Ô Meu Bom! Mas tu não sabe o principal material da sua profissão?! Assim como pode ir atrás de matéria – prima, buscar melhores contratos, fornecedores, preço de mercado, controle de estoque, oferta e demanda, e assim gerar aumento dos lucros e gerenciar o negócio com eficiência fabril?!"
Pronto pra se lançar ao Mar, sem planilhas, smartphones, nem nada que fosse inútil e prejudicial à sobrevivência e ao meio, o Pescador voltou – se ao ser antagônico, e que de forma desesperada queria absorver sua essência, para que, assim como o Sr º Smith da Matrix, poder de alguma maneira controlar, e em igual medida desconfigurar aquilo que não se compreende, simplesmente por ser diferente, e disse – lhe com sorriso largo e matreiro no rosto marcado por rugas de exposição contínua ao sol, ao mar, e às chuvas;
  • "Cada peixe tem seu jeito próprio, tamanho, cor e sabor. Cada canto do Mar tem seu segredo. Cada ser tem seu lugar, cada razão tem seu medo. Eu sei pescar, e isso não é profissão, é Life Style tá ligado patrão?!"

E como quem avista uma oportunidade única, virou de costas pra incrédulo citadino, e de peito aberto se lançou ao Mar, sem razões supérfluas de viver, a não ser viver em harmonia consigo, em sustentabilidade com o meio.

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